A cadência da sua dança inebria-o. Monta-o como quem lhe conhece o
colo, há uma vida. «Desde quando?» Ela não responde. Lambe-o; explora-o. Ele
não resiste. Sempre se sentira diferente. Monstruoso. Capaz de tudo. Disto não
se recordava. Náusea. A música maldita regressara-lhe aos ouvidos. Deleite em
simultâneo. Culpa. Incerteza sobre o passado, em que o inominável parece ter-se
repetido à exaustão. A forma como lhe conhece o corpo é extraordinária. Percorre-o
certeira como se, se satisfizesse a si mesma. Os traços que recordava não
pertenciam a Anna? A última lembrança de Erika era a de uma criança, pendurada
no seu pescoço, numa qualquer despedida. Quando e em que circunstâncias se
teriam reencontrado? A culpa fugia-lhe pelos poros, em cada beijo que recebia,
nos movimentos ávidos do seu toque. Tudo se encaixava. As sessões ridículas, no
consultório de Vozone. O escavar da sua intimidade. «Delicioso.» - Pensa. - Ri.
Talvez o quisessem chantagear para que entregasse o envelope. Desconcentra-se.
Ela encara-o cúmplice e continua ritmada. Ele alterna entre a repulsa e o
desejo. «Não sou o carrasco. É ela quem comanda o que acontece. Brinca.»
«Sou teu pai.» – Repete.
Ela acelera. Quer tê-lo desnorteado. «Diz-me onde está.» Sussurra, enquanto lhe puxa os cabelos na nuca e endurece os movimentos. Pancadas secas na estante.
«Onde está o envelope, paizinho?»
Trauteia a música que o persegue, há meses, ignorando-lhe o pedido. Ela pára. Levanta-se de rompante e deixa-o despropositadamente erecto, no escritório. O seu olhar é desprezo.
«Afinal que melodia é esta?»
Acaba sozinho o que ela começara, com um sorriso estúpido no rosto, ainda alheio ao que o espera.
«Imbecil.»
Andreia Azevedo Moreira
Criado em Janeiro de 2009.
OBRIGADA POR ME LERES.
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