terça-feira, 25 de junho de 2013

«ANIVERSÁRIO(S)»


Vagueio na memória pela casa que, na infância, também foi minha. A quietude actual agride-me. A penumbra em que se buscava o fresco nos dias mais quentes é, hoje, a afirmação do que não torna. Abate-se sobre mim a saudade desses instantes. Desanimo nesta carência das certezas de vocês em mim. De quem era, aí convosco. Em cada Verão feito vosso. Ao cheiro da árvore do jardim, intenso em noites abafadas e que nos chegava às narinas enquanto apreciávamos a brisa no alpendre, recordo-o enternecido numa semelhante, quando regresso pela estação ferroviária. Arrancaram-na há muitos anos. O odor era enjoativo. Sinto falta dos serões adocicados, da árvore e de todos nós nos respectivos lugares. Não nos deviam mover dos sítios para que fomos feitos. Fomo-lo uns para os outros. Apesar das falhas. Graças às virtudes. Às escadas em que nos sentávamos rindo, talvez não volte. Se lá me sentasse aguardaria, pelo vosso regresso. Incansável, dorido, saudoso do que são cá dentro e não podem ser, fora. A todos quantos crescemos nesses metros quadrados magoa a casa tão vazia. A saudade a sovar-nos e nós a fingirmos que não fere a pancada. Há que continuar. A vida empurra. Continuamos, pois, mas a espreitar para trás. Sabemos que não se apagam as pessoas nossas, mesmo quando o presente se reduz a uma centelha da força de outrora, num olhar apagado e a uma ausência irremediável. Mudamos. Existimos, ainda. Porém, não são destruídas as fundações. Sólidas? Perigosas? Pouco importa. São história. A nossa. São memória. Amor. Vagueio na obscuridade e no sossego definitivos. Atento, escuto gargalhadas, ralhetes, gritos, manias, conversas, mágoas, perdões que não se pediram. Ouço-nos reunidos. Instantâneos do meu tempo de vida. Vejo-nos. Foi ontem. Não foi? Talvez tenham decorrido 24 horas, apenas. A gata listada, macia, perseverante num quotidiano pretérito agora sem gente, risos, ou choros. A nossa casa desabitada e ela enchendo teimosa as escadas do alpendre, o corredor empedrado que dá para a garagem, deitando-se no relvado, lá atrás. Impassível, preenche-nos o abismo, não nos consentindo esquecer-vos.


(Pouco tempo depois do aniversário a gata morreu.)

Andreia Azevedo Moreira

OBRIGADA POR ME LERES

16º Texto - Saiu, pela primeira vez, à Rua em 25-06-2013

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