I WANT YOU
Observo-te
do outro lado da Rua. Mantemo-nos à distância, uns instantes. Não desviamos os
olhos presos. Serei capaz de atravessar? Sou. Estou a meio metro de ti, na
dúvida se cumprimento, ou passo como se não te houvesse encontrado. Gostas de
dificultar e não avanças, nem recuas. Ficamos a medir-nos como duas janelas por
abrir. Porque me olhas tão sério? Queres que me vá? Há muito prescindiste das
respostas. Ainda não me cansei de te questionar. Colocaram cimento nas nossas
articulações. Impede-nos de prosseguir, ou de qualquer tentativa de fuga.
Minto-te. «Só um abraço. Depois vou.» Não dás sinal de o autorizar e já me
agarrei a ti, com força. Colo-me ao teu corpo. Quero saber se os nossos perfis
encaixam. Interessa-me, por exemplo, a compatibilidade dos nossos pescoços. Vou
atrás da tua orelha. Perco a vergonha, desenho-a com a língua. Desço-te até à
clavícula. Acumulo os cheiros teus, para te mapear na memória. Permaneces sem
dizer uma palavra. Escondo-me no teu peito. Recuarei. Vou fingir que não te vi
e que não te tentei seduzir. Nego tudo, humilhada pela tua indiferença.
Desisto. Estava preparada para esta derrota. Coloco o pé para o passo atrás.
Correrei muito depressa, na direcção oposta. Talvez nada disto aconteça. Eis
que me agarras e reténs sem te rires para mim, que me perco na ausência de
sorrisos. Estás a magoar-me. Queres que fique. É isso. As nódoas negras que me
desenhas nos braços são tu a quereres-me. Quase tanto desejo quanto o meu. O
silêncio a tua forma de me despir. Mordes-me porque não me sabes beijar.
Desaprendemos a ternura na espera. Demasiado longa para arranjarmos tempo, agora,
para nos escondermos. A Rua ficou deserta, por respeito ao nosso inadiável.
Bebo o meu sangue e o teu. (Também te mordo.) Esqueço o medo de me achar nua à
tua frente. Empurro-te, bruta. Bates com a cabeça no prédio onde nos fomos
apoiar. Não sentes dor. Dizes:
«Não
sinto dor.» (Estás aqui.)
Agrido-te
implacável, com a minha vontade. Não te defendes.
«És a
seguir.»
Toco-te
para te revelar. Cega é com as mãos que te vejo. Quero conhecer-te inteiro.
Puxo-te. Avanço por ti, para te matar em mim. Não é saudável viver-se com uma
pulsão destas a comer-nos a alma. Tenho os tímpanos a zunir, porque me chegaste
ao coração pelos ouvidos. O prazer comanda. Passivo ao meu ataque, aguardas que
mate a sede. Impossível. Lambo-te o sal da pele. Tenho o sexo quente, de tanto
sangue. Pulsa ao ritmo do músculo na expectativa de te acolher. Duro. Viras-me.
«Temos
tempo.»
Rosnas
no meu cachaço. Tens duas mãos para pousar onde preciso. Uma boca da qual
espero o indizível. Narinas que me respiram. Apertas-me contra ti. Sinto-te.
Dentro.
«Não
chega.»
Apoio
os braços na parede que me sorri, cúmplice. Empurro-a ritmada. Uma e outra vez.
Estás onde te quero.
«Espera.»
Não sou
paciente. Precipito-me para a construção e para ti numa vertigem. És desnorte
e, ao contrário de mim, tolerante. Aguardas a vez de me assassinar em ti.
«Depois
de uma paixão destas, só a morte.»
Voltas-me.
Sou leve nas tuas mãos. Manipulas-me bem, apesar da obesidade que não te
incomoda. A tua aceitação do meu corpo comove. A coreografia da nossa dança é
inconstante, na pista escorregadia. Somos suor. Os meus pés deixaram o chão
muito antes do teu colo. Quebrar-me-ei na queda. Não tenho hipótese. Não é
nisso que penso, quando constato que continuas calado. És tão silencioso. Há em
ti segredos, ou só vazio? Quero dizer-te coisas indecentes ao ouvido. Digo-tas
simulando que o não faço. Creio que não mas queres ouvir, porque me empurraste
de novo e esfregas-me o rosto na superfície irregular, enquanto me seguras pelo
cabelo. Não sei de ti. Só de mim. Enfraquecida, letárgica, depois da corrente
que me atravessou. Afastas-me para o lado. Nojo?
«Ele do
outro lado da Rua. Viu-me?»
«Ela do
outro lado da Rua. Não me apeteceu.»
Encontraram-na
morta um século depois. O cadáver tinha epiderme, músculos, unhas, cabelo. A
face reconhecível, porém, do lado esquerdo mutilada. Despida sorria. Na Rua
testemunha nenhuma do acontecido. A autópsia declararia órgãos. Um milagre. Foi
trabalhoso removerem-lhe o coração para se aferir as causas da morte.
(Estava
amarrado.)
Andreia
Azevedo Moreira
Criado
de 9 a 13 de Julho de 2013. Saiu para a Rua, pela primeira vez em 15 de Julho
de 2013.
Última
revisão a 17 de Dezembro de 2014.
OBRIGADA POR ME LERES
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