Disseram-me
que não podia entrar. Sento-me do lado de fora, descrente. Choro. Não tenho
força para erguer a cabeça, que me tomba nas mãos. Não de vergonha, cansaço.
«Não entre, por favor.» Quando só eu devo estar ali. Eles parecem não perceber,
ou não querer. «São as regras.» Regras que também ditaram que não comprássemos
casa. «Não». Aceitámos. Tantas recusas. Comunicaram-nos que era proibido
amarmos uma criança. Ela que ficasse esquecida, de ninguém. Resignámo-nos.
Tentaram varrer-nos. Como se o que os olhos não vissem, nós, não existisse.
Vivemos inteiros apenas entre as nossas paredes arrendadas. Aquela pessoa tem
qualidades, os seus defeitos também. A conversa habitual. Desejo-a, ainda. O
meu corpo entendeu-se com o dela. Lembro-me bem da primeira vez que os nossos
olhos se prenderam. Soube que ali iria morar algum tempo. Fui correspondido.
Custa-me não lho conseguir demonstrar na rua. «Não pode ser.» Pretendem que
afirme tratar-se de amizade; convencer-me de um bem-querer menor. Exigem que
não afrontemos os demais, com esta maneira anormal de ser. Procurei empenhado e
nunca encontrei qualquer anomalia. Todavia, o nosso amor insulta e por isso nos
coibimos dele. Desconheço se para não ferir, ou para que não nos agredissem,
fartos que estamos que nos maltratem. Extenuado que vejam feio o que, para mim,
é belo. Perfeito. Tenho perdido muito tempo a esconder-me. Agora mesmo, ele
está ali dentro e não consentem que fique perto. Deveria ter-lhe dado mais
festas e tê-lo apertado mais vezes nos braços. Deveria ter-lhe procurado a
boca, com a minha, sempre que quis. Abdicámos em prol de terceiros que mais não
têm feito senão tentar matar-nos. «Esse elo não tem validade.» O que trago em
mim é para ocultar. Afirmam. Quero gritar-lhes da injustiça que cometem.
Desisto. A luta afigura-se inglória. Despirei, algum dia, a vergonha que me
vestiram ainda criança? Sobretudo pesado. Escuro. Bafiento. Uma festa no rosto
ou darmos as mãos, trocarmos beijos, ou aquelas carícias nos cabelos. Gestos
abolidos. Tornei-me furtivo. Exímio na arte de amar sem o toque. Ainda que uma
vontade imensa no peito, não houve o lugar devido para o nosso calor. Isto
provocou-me vazio que corrói. Têm-me dito por meias palavras, olhares
reprovadores e trocistas que não é digna a minha história. Não entendo. É igual
ao que observo noutros casais. Estudo os modos dos apaixonados. Os meus em nada
diferem. Quero-lhe bem, daria a minha vida para salvar a sua e faço o que posso
para o proteger. Cumplicidade que me é devolvida. Impõem-me uma parede. Sou
assim e minto, para que não me chateiem, nem me tentem formatar. Hoje barram-me
o caminho, o que me é inaceitável. Está ali dentro toda a minha vida partilhada
com outra pessoa. Dizem-me que vá para casa; só a família chegada; eu não.
Como? Eu, sim. Sou a sua companhia. Tenho sido o amor, o sexo, também a
amizade. Tenho sido as discussões, a ternura, a saúde, as doenças (esta
também), as viagens, a convivência, as traições, as mágoas, os desabafos, as
flatulências, o desespero, as gargalhadas, os abraços, os beijos, as
dificuldades, as vitórias. Tenho sido. Sou, ainda. Mandem-me para casa, pouco
importa. Ali acaba parte de mim. Já não tenho como lhes explicar que não se
explica o amor. Sou o João. Morre o meu Francisco. Não me deixam entrar, mas eu
nunca de lá saí.
Andreia Azevedo MoreiraCriado em Maio de 2009.
Obrigada por me leres.
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OBRIGADA POR ME LERES.