Lucas Moreno sofria. Nunca acreditara nos médicos que lhe diagnosticaram
doença maligna em menino. Na idade adulta, quando ainda se dava ao trabalho de
consultar especialistas, abanava a cabeça com desprezo pelos profissionais e
não saía das consultas sem aquele último olhar gelado. "Isso são histórias
da carochinha!" Vivia com a sua mãe, Hermínia Moreno que ainda o cuidava
como se não tivessem vivido décadas. Depois do banho, preparado por ela, ao
invés de limpar os ouvidos com cotonetes, Lucas utilizava-as para empurrar a
cera. Queria deixar de ouvir as vozes que o atormentavam. Revelava-se tarefa
inglória pois eram presença constante nos seus dias. A voz a Oeste ordenou-lhe
que pegasse na caixa de cartuchos, que estava na segunda gaveta da cómoda no
corredor. Devia carregar a arma que Hermínia guardava por cima do
guarda-vestidos do seu quarto, crendo que Lucas jamais a vira. A voz
sussurrou-lhe que aguardasse e ele obedeceu sentando-se à mesa da cozinha.
Tinha uma mão com a arma pousada no colo e a outra servia de apoio ao queixo.
Hermínia Moreno entrou em casa e dirigiu-se à divisão onde passava a maior
parte do seu tempo. O filho descarregou a arma. Até ao último cartucho repetiu
em surdina, enquanto a cara se molhava: "Gosto muito de ti."
Andreia Azevedo Moreira
Criado em Outubro de 2009. Saiu pela primeira vez, para a Rua, em Março de 2013.
OBRIGADA POR ME LERES.
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