Joaquim M. Sousa taxista
poveiro nasceu em 1970, ainda a Cidade não o era. Filho de Filomena M. de Vila
do Conde, costureira e de Cristóvão F. Sousa, outrora também taxista, nado em
casa na freguesia de Laúndos com o auxílio da parteira Amélia. Residem juntos,
na Praça do Almada, num edifício perto da intersecção com a Rua dos Ferreiros. Joaquim
assegura o negócio de família desde a trombose do pai, primeiro da sua geração
a recusar-se a andar ao mar. Mudo e cego, a audição manteve-se intacta bem como
as pernas ossudas que o carregam arrastado, pelas divisões da casa. Raspa os
braços nas paredes de areia. Vão-se fazendo rubras. Filomena M. trata do marido.
O filho encarrega-se de ambos. Havia a namorada, Luísa. Detestava os sogros e
aproveitou para não regressar, numa tarde de divergências. Joaquim brando,
conciliador «Não merecia.» Criticou a vizinhança desancando a moral da pequena deslocada,
após a separação, para Matosinhos. Exigiu respeito pela mulher querida e
intimou a suspensão dos boatos sob pena de se remeter ao silêncio. Acederam a
cochichar nas suas costas, por ser consentâneo aos respectivos feitios e porque
a bonomia do condutor fazia diferença. Os óculos de Joaquim aferem mal a
sonsice. Aparentam estar intactos à custa de metros de rolos de fita-cola. Ele
tem um aspecto alheado sem correspondência à realidade de indivíduo atencioso
com quem o rodeia, clientes habituais e desconhecidos. Quem chega ou pretende partir
de Metro habituou-se a que, na Almirante Reis ou nas imediações, seja garantido
apanhar o táxi do Sousa. Desiludem-se se o vêem passar com o “Ocupado” aceso. A
sua conversa cativa, a gargalhada fácil contagia e as sugestões musicais além
de desconcertantes são memoráveis. Formam melómanos. Nesta tarde de Inverno, planeia
terminar a jornada antes de anoitecer. Engraçou com uma rapariga e quer
convidá-la para conversarem, num sítio calmo. Teresa S. entra na viatura em
estado deplorável, colocada a pequena mala azul de rodinhas na bagageira. Há-de
dificultar-lhe o cumprimento do horário. O taxista adopta várias estratégias,
para fazê-la falar. De início o usual: A meteorologia, a televisão, a política e
tema nenhum surte efeito. A comunicação está bloqueada. Passa pelas redes
sociais e pelos pontos de interesse da cidade e obtém monossílabos
incompreensíveis. Ao sugerir Teresa Teng
e a sua canção Tian mi mi a rapariga informa,
entre soluços, ter o nome próprio da cantora sendo engraçada a coincidência de
lhe dar a conhecer música oriental. Cresceu em Macau. Incapaz de sorrir pede as
maiores desculpas. Ele vai tranquilo, habituado a ouvir quando necessário e a
falar se o impulso lho suscita. Neste caso sente-se perdido. A cliente oculta
as pistas sobre a preferência. Mantém o queixume despudorado expondo lágrimas e
tremores, ao contrário dos inseguros.
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OBRIGADA POR ME LERES.