segunda-feira, 11 de abril de 2016

XI

Sigo-a desde ontem. Move-me o frémito abaixo da cintura, o instinto, uma sensação de incompletude. Tardo em desligar-me dela. Escapa-me o motivo. Haveria gajas mais fáceis. Passei a noite sentado ao frio tendo por encosto a estátua do Rocha Peixoto, de livro na mão, do lado que me permitia alguma invisibilidade. Escrevi quarenta e nove poemas de rajada como o poeta maior. Perfeitos, para ela, sob os candeeiros nocturnos. A manhã custou a passar. Este frio. Por que há morte a cada enamoramento. 

Cansado deste desacerto com as mulheres. É carnal o que me move. Penso. Haverá mais, porém, foge-me do alcance o quê e sei que mereço sentir essa chama. Hei-de superar esta satisfação bruta das necessidades. Quando, caso raro, uma cai nos meus poemas, sem ter de a forçar, desinteresso-me. Uso-a até estar esgotada. Branda. Entregue. Tornam-se amorosas. Preocupam-se. Alimento-me bem. Fui à consulta, porquê. De onde vêm as olheiras. Sugerem-me abandonar a velha para ficar com elas, enfim, para sermos felizes e eu com ganas de me pirar. 

Antes de tudo, rondo-as como um cão. 

Assim estejam vulneráveis desprezo as qualidades atraentes. Impensável abster-me de a perseguir até tê-la experimentado. Com ou sem consentimento. As gajas são carros possantes de muitos cavalos, bons vinhos ou camisolas de caxemira. Servem para dar prazer. Se me sinto incomodado com isso. Pois claro. Escrevo rimas para a seguinte. As intenções são as melhores. Imploram que pare e nego clemência, aí habita a inspiração. Vejo-a sair com um gajo. Vai com um péssimo aspecto. Entraram num táxi. Perco-a, por agora. Aguardarei as Mesas tardias. Um atraso, um descuido. Ninguém a espera. Vou a casa avisar a velha que cesse os festejos. Estou vivo. Habitamos um T2, no n.º 153, ao Largo das Dores. Peço uma francesinha no café de baixo para chegar de estômago forrado ao confronto. Como chegámos a isto. Para onde vamos. E o amor e tal. Há lá pachorra para a aturar. Nunca amaste e trolaró. Acrescenta trinta minutos de histeria. Acumulámos trinta quilos, cada um, os anos, as rugas e o caralho. Transforma-se um sentimento indefinível, antes puro, numa linda amizade dúbia, nas bocas da multidão conformada. Com os amigos não se fode. É ou não. É. Incomoda-a que dedique rimas na rua a outras, ponha para o lado. 

Incomoda-me mais a apatia bovina dela. 

O desencanto que me provoca. 

Rumina como as que têm quatro estômagos numa tristeza débil e resignada. Aos dias passa-os a assistir aos programas da manhã, da tarde, do lusco-fusco. Ranhosa com os dramas alheios. Fazendo-se boazinha, condoída de dar nojo, marimbando-se para a infelicidade daqueles palonços. Augura sentir-se bem com gente mais miserável do que ela, do que nós e é tudo. Malta que vai contar as vergonhas para os écrans, despudorada. Falam das hipocondrias, dos vícios, dos filhinhos abandonados ou doentes. Das transfusões, da medula rançosa, dos membros disfuncionais, das dívidas, das depressões e ela radiante pela ausência de filhos nossos. Rancor que lhe guardo. Devia tê-la posto a andar. Assim me dissesse «Temos um problema se queres filhos, eu pelo contrário.» e ala que se faz tarde. Vai à tua vida. Guardo mundo para dar a um filho ou três. Devia ter procedido assim mas ela, à data, um doce e eu não me tinha lambuzado o suficiente. 

Depois um gajo apega-se e apaga-se. 

É um vê se te avias para despachar aliança, casa, compromissos, almoços de família, comodismo e afins. Gostava de ter tido outra vida e fiz por isso. Cada folha na qual arrumo as palavras em sons felizes é nota na minha pauta. Mulher que subjugue é sinfonia. Se me importa a vaca à espera que eu entre em casa para gritar com alguém. Mal meti a chave na porta e a voz esganiçada a entrar por mim adentro. Estúpida. Servil. Reviro-lhe os olhos e mingua. Muge entredentes. Ódio por ela. Ficasse impune e matava-a. Desadequada para mim como eu sem ser destino nela. Desconheço a arte de trocar lâmpadas, renego o berbequim, abomino a jardinagem a que se dedica, como se termos um jardim estivesse para breve. Trabalhinhos em casa faça-os ela ou contrate alguém. Tenho mais preocupações do que acudir a domesticidades. Gosto de combinar palavras. Duas quanto baste para me sentir eufórico. Escapo-lhe ao entendimento e ela ao meu. Em crise há treze anos. Têm-nos dito: «Acabem com esse massacre.» O que nos prende. Por que alimentamos o desrespeito. Acomodámo-nos. Arranjei esta maneira de a violentar sem toque. Rejeitei-a metódica e repetidamente. No princípio pedia que fizéssemos amor. Humilhava-se. Nem por piedade. Nela não assento a mão, nem para bater nem para a amar. Em casa gosto de mudar o sítio aos objectos. Dá-me um gozo do carago vê-la desnorteada à procura. Altiva evita perguntas. Anda às voltas, pião doido, até dar com elas ou se resignar a perdê-las. Derrotada, devolvo-lhas noutro sítio. Encontra-as em dia à frente, sem esperá-las ou delas, entretanto, necessitar. Divirto-me. Vingo-me da comunicação torta, de a responsabilizar por me ter tornado um monstro, convicto de que sem o nosso desamor seria bom. Magoo-a intencional. Pode ser que morra de tristeza ou louca. O pior é que digo uma e ela diz três. Danos acumulados deste lado. Tratando-se dela, a imunidade tarda. 

Abeiro-me das eleitas na rua e esqueço as palavras duras que trocamos. As ditas e as veladas. Foco-me na boca que preencho erecto, nas mamas magoadas pela sofreguidão, nas ancas robustas escolhidas, com critério, pensando na força investida nelas, nos membros superiores inúteis, à conta do fio de nylon nos pulsos que sangram se resistem demasiado, nos olhos apavorados e estimulantes. Gravo nelas a frustração dos anos perdidos a morrer ao lado desta, sendo afável para os outros. 

«Metido consigo. Zero defeitos a apontar-lhe.» 

Regra geral, as parvas fazem queixa mal as liberto. Esbaforidas partem das traseiras onde as desgraço. Rio-me alto enquanto correm, tarde demais. Fumo um cigarro. Subo as calças, aperto o cinto. Ouço as botas no alcatrão. Nada me liga à empresa de exportações ou àquele ermo. Entregam esperançosas às autoridades cartões vários com os meus versos. Deixo-lhos entalados no rabo. 

Servem de prova que usei um nome falso.

Andreia Azevedo Moreira
Novembro a Dezembro de 2015

OBRIGADA POR ME LERES.









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