terça-feira, 19 de abril de 2016

XIII - Baixa-mar; 10h27; 0.64m

                                                                                                                       
Norte. O método é simples. Um relance de curva convence-me. Poderão negar terem concedido dois dedos de conversa. Para mim, são desinteressantes essas averiguações. Comando. São as peças necessárias e encaixo-as com deleite inenarrável. Embora momentâneo, o efeito é dominador. Uma espécie de embriaguez. Forcei-me a parar, muitas vezes. Contestei a violência residente, tentei corrigir a conduta. Pior. A escuridão avançou implacável. O medo estabeleceu-se. Quem vive com medo saberá a que me refiro. Desligamo-nos sob o seu manto. Para trás o ponto de onde teria sido possível regressar. Levanto-me com o fito bem definido. Podem decorrer semanas sem agir. O curso inato do pensamento permanece imperturbável. Oriento-me pelo mapa dos lugares fecundos com que me cruzo. Antes, desorientado, quanto mais me debatia contra a natureza mais ela se impunha. Naquele dia quente de marés-vivas arrisquei na Salgueira e fui enrolado. As mareadas mastigavam o meu corpo e, impotente, percebi qual espectador que os meus impulsos eram como aquela energia. Debatendo-me cansar-me-ia, apenas. Havia que os aceitar. Permiti-los. Sê-los. Algum propósito emergiria do remoinho. A aflição passou despercebida. Nenhum surfista de prancha, sob pés firmes experientes, para me resgatar. Ninguém em cuidados, com a minha demora, numa barraca de riscas azul-marinho. Acolhi a solidão tão certa, quanto intrínseca, a cada órgão vital. Um estômago, um fígado, um pâncreas, um genital. Sobrevive-se à mentira de poder ter dois de cada, embora estar vivo seja questionável. Os braços desistiram de quebrar a corrente, as pernas de procurar terra firme, a cabeça habituou-se à confusão. Inspirava líquido e tardava em morrer. As funções vitais aguentaram-se enquanto a torrente fez o que lhe competia. Fui devolvido à areia como sargaço arrancado. Aceito-me na condição de adicto. Um dia de cada vez é escolha de terceiros. O meu caminho é este. Irremediável. Sul. Alguém se sentou aqui, há pouco. Denuncia-o a ponta de cigarro mal apagado. Giro o sapato para a extinguir. Apresso-me para Este de mãos nos bolsos. Vou atrasado para a Mesa. Aquilo ficou jeitoso remodelado. Cumprimentarei uma pessoa ou outra. Hão-de me questionar sobre a esposa, se tudo vai bem, se há saúde. Demonstro-me fleumático nos esclarecimentos. Olharão para mim duvidando se me consideram o patrício disponível ou parvalhão. Terei votos em ambos os sentidos, o que me agrada. Interrogam-me. Onde anda. Viram-na com livros na praia, no café ao domingo, enquanto leio o jornal. Decerto gostaria de participar neste evento cultural por demais interessante e ninguém lhe põe a vista em cima. Encaro-os calmo sem avançar explicações de monta, deixando-os com a sua impaciência e perplexidade. As pessoas habituam-se a quem justifica por isso me fogem amigos e inimigos. Altero ágil o assunto da conversação, sugiro leituras, autores de que gosto e adeusinho, atendo-vos mais logo que é como quem diz ficarão por atender. É complicado abordar as musas que me encantam com este tipo de inspectores à perna. Sou doentiamente cauteloso com o que me é mais importante. O que me faz acordar e ter ânimo para sair da cama todas as manhãs. Mesmo se o corpo implora descanso, se o que obtenho é insuficiente ante o que falha, se à marca que tento inscrever falta beleza e originalidade. Prossigo doente, dores nas costas, consumido. Estou com o apelo. Inadiável. É uma vida encaixada noutra e ninguém desconfia do desalinho, das ausências, da incoerência do discurso. A discrição integra a rotina. Hei-de ser velho. Começo a acabar. Levarei até à cova esta firmeza.

A luxúria.

Andreia Azevedo Moreira
De Novembro a Dezembro de 2015.


OBRIGADA POR  ME LERES.









Sem comentários:

Enviar um comentário

OBRIGADA POR ME LERES.