Norte. O método é simples.
Um relance de curva convence-me. Poderão negar terem concedido dois dedos de
conversa. Para mim, são desinteressantes essas averiguações. Comando. São as
peças necessárias e encaixo-as com deleite inenarrável. Embora momentâneo, o
efeito é dominador. Uma espécie de embriaguez. Forcei-me a parar, muitas vezes.
Contestei a violência residente, tentei corrigir a conduta. Pior. A escuridão
avançou implacável. O medo estabeleceu-se. Quem vive com medo saberá a que me
refiro. Desligamo-nos sob o seu manto. Para trás o ponto de onde teria sido
possível regressar. Levanto-me com o fito bem definido. Podem decorrer semanas
sem agir. O curso inato do pensamento permanece imperturbável. Oriento-me pelo mapa
dos lugares fecundos com que me cruzo. Antes, desorientado, quanto mais me
debatia contra a natureza mais ela se impunha. Naquele dia quente de
marés-vivas arrisquei na Salgueira e fui enrolado. As mareadas mastigavam o meu
corpo e, impotente, percebi qual espectador que os meus impulsos eram como aquela
energia. Debatendo-me cansar-me-ia, apenas. Havia que os aceitar. Permiti-los.
Sê-los. Algum propósito emergiria do remoinho. A aflição passou despercebida.
Nenhum surfista de prancha, sob pés firmes experientes, para me resgatar.
Ninguém em cuidados, com a minha demora, numa barraca de riscas azul-marinho.
Acolhi a solidão tão certa, quanto intrínseca, a cada órgão vital. Um estômago,
um fígado, um pâncreas, um genital. Sobrevive-se à mentira de poder ter dois de
cada, embora estar vivo seja questionável. Os braços desistiram de quebrar
a corrente, as pernas de procurar terra firme, a cabeça habituou-se à confusão.
Inspirava líquido e tardava em morrer. As funções vitais aguentaram-se enquanto
a torrente fez o que lhe competia. Fui devolvido à areia como sargaço
arrancado. Aceito-me na condição de adicto. Um dia de cada vez é escolha de
terceiros. O meu caminho é este. Irremediável. Sul. Alguém se sentou aqui, há
pouco. Denuncia-o a ponta de cigarro mal apagado. Giro o sapato para a
extinguir. Apresso-me para Este de mãos nos bolsos. Vou atrasado para a Mesa.
Aquilo ficou jeitoso remodelado. Cumprimentarei uma pessoa ou outra. Hão-de me
questionar sobre a esposa, se tudo vai bem, se há saúde. Demonstro-me
fleumático nos esclarecimentos. Olharão para mim duvidando se me consideram o patrício
disponível ou parvalhão. Terei votos em ambos os sentidos, o que me agrada.
Interrogam-me. Onde anda. Viram-na com livros na praia, no café ao domingo,
enquanto leio o jornal. Decerto gostaria de participar neste evento cultural por
demais interessante e ninguém lhe põe a vista em cima. Encaro-os calmo sem
avançar explicações de monta, deixando-os com a sua impaciência e perplexidade.
As pessoas habituam-se a quem justifica por isso me fogem amigos e inimigos.
Altero ágil o assunto da conversação, sugiro leituras, autores de que gosto e
adeusinho, atendo-vos mais logo que é como quem diz ficarão por atender. É
complicado abordar as musas que me encantam com este tipo de inspectores à
perna. Sou doentiamente cauteloso com o que me é mais importante. O que me faz
acordar e ter ânimo para sair da cama todas as manhãs. Mesmo se o corpo implora
descanso, se o que obtenho é insuficiente ante o que falha, se à marca que
tento inscrever falta beleza e originalidade. Prossigo doente, dores nas
costas, consumido. Estou com o apelo. Inadiável. É uma vida encaixada noutra e
ninguém desconfia do desalinho, das ausências, da incoerência do discurso. A
discrição integra a rotina. Hei-de ser velho. Começo a acabar. Levarei até à
cova esta firmeza.
A luxúria.
Andreia Azevedo Moreira
De Novembro a Dezembro de 2015.
OBRIGADA POR ME LERES.
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