quarta-feira, 18 de maio de 2016

DEZOITO

Está sentada no degrau onde por encosto arranjou uma parede de azulejos azuis. Quinze homens enfrentam ondas desafiadoras perto do escritor, do etnógrafo, do outrora presidente do município. A cabeça pende-lhe. Bonita e antiga. Amo-a na vulnerabilidade. A saliva escorre entre os lábios entreabertos. A saia queimou-se. Um montículo de cinza frio jaz no seu colo ladeando o buraco recém-aberto no tecido. Um cigarro mal apagado no chão, ao lado dos sapatos engraxados a preto, fumega resquícios de um vício libertador. Penduradas nos seus pensamentos descrições precisas de massas informes. Imagens presas por molas no estendal laboratório da sua mente. Conheço-a melhor a cada mergulho. Aperfeiçoa-se na apneia. Ganha robustez na fragilidade resiliente. Aprende sozinha a arte de perceber a força escondida em cada deficiência sua. Levanta-se, sorri para a saia danificada, para os pés molhados. Limpa a bochecha com o pulso. Cheira-o. Detesta o odor da própria saliva, adorando o das pessoas com quem se deitou. Sente saudades de ter orgasmos e de escrever. Há quanto tempo o vazio. Principia a marcha incerta como o bicho selvagem recém-parido que se ergue e, de imediato, para sobreviver se põe a andar, a fugir, a comer. Corre como respira. Autónomo. Sem progenitora que lhe valha. Sem pai que o proteja. Amor nenhum além daquele que o agarra à vida. É nascer e partir. Haverá frase mais curta do que o que medeia o parto e a morte. Virgínia caminha bamboleante. Para trás louvores a peixeiras e pescadores. Para a frente honras a homens que defenderam centenas de vidas arriscando a própria. Impede-se de reflectir sobre a inutilidade da sua existência comparada à relevância dos que fizeram diferença ao salvarem alguém. Quando muito é a si mesma que salva. Acredita cumprir-se. Enquanto houver em si o interesse pelas histórias resistirá a entregar-se. Espero-a onde acaba a terra. Pressa nenhuma.

Passeia com destino definido pelas ruas da minha cidade. Demora-se na alegria antes de estacar na Rua José Malgueira. Enfrenta consciente o edifício onde estão muitos dos que conseguiram sentados e outros tantos falhos, como ela, de pé. Na mesma posição, vê quatro figuras de costas para quem chega pela Santos Minho. Dois homens e duas mulheres. Um deles carrega um saco do lado esquerdo. Miúdos correm chilreando inocências a perder. Virgínia prende o cabelo, inspira profundamente, expande o peito ao limite. Ajeita o peso da mochila nas costas. Acomoda as dúvidas ao fundo e ao meio.

A angústia incapaz do futuro.




XIX

                                                                                                                                                                   
Ruge.















 

 



Sem comentários:

Enviar um comentário

OBRIGADA POR ME LERES.