quarta-feira, 11 de maio de 2016

O ESTRANGEIRO - ALBERT CAMUS

QUEM AINDA NÃO LEU QUE NÃO PARE NESTE POST, 
P.F.

Retorno aos clássicos com “O Estrangeiro” de Albert Camus (1913-1960. Nobel da Literatura em 1957). Afigura-se história simples: Morre a mãe de Mersault e este cumpre a função de ir ao velório e ao funeral. Não chora. Namora com Maria porque a deseja. Trabalha num escritório para ganhar um ordenado. Tem um amigo, Raimundo, que se envolveu em quezília com o irmão de uma amante que espancou. Almoça no Celeste. Trivial. Indiferente ante as escolhas do quotidiano que, segundo ele, jamais fazem a diferença, dado que todos mortos um dia. Numa tarde de Verão dispara cinco tiros fatais para outro homem, porque se desnorteia com o calor.
Será julgado. Testemunhamos o esgotante desenrolar do processo de acusação. Constatamos que, para os acusadores, o crime maior não terá sido assassinar um homem. Foi não chorar a mãe.

Acaba quem o trouxe para a vida e nem uma lágrima, um soluço, um tremor? Sinal nenhum de desconsolo. De facto, como o próprio esclarece, estaria com demasiado sono para viver, em condições, a perda. As necessidades fisiológicas impõem-se-lhe amiúde ao bom senso e aos deveres sociais. Há muito que nada diziam um ao outro, motivo bastante para que lhe não doesse, tanto, a despedida. Preferiria, note-se, que tivesse continuado viva, todavia, a culpa do falecimento não fora sua. No dia seguinte à descida de sete palmos da ascendente vai até à praia, namorisca com Maria e termina a noite no cinema, com uma comédia do Fernandel. Insensível ou tão-só fiel a si mesmo?
Dir-se-á de alguém que diz o que pensa e sente que é honesto. Sincero. Confiável. E se as razões e sentires dessa pessoa chocam os outros? Agridem, até. Se vão contra tudo o que lhes incutem desde o ventre. Então, desejarão que se cale (nós também), de preferência para sempre. Eis o que sucede ao anti-herói desta obra-prima de 89 páginas. Será sentenciado por se expor em demasia ao não omitir certos pormenores do que lhe vai dentro. É descritivo até às entranhas, nunca censório. Não há floreados no discurso de Mersault nem hipocrisia e é isso que o trama quando, ironicamente, se manteve calado a maior parte da existência, por considerar não ter o que de relevante dizer.
Culpado de não demonstrar sofrimento, de assumir as urgências e os não-sentimentos. Culpado de não ser, nem agir, como os demais. Estrangeiro em terra de mentirosos. Ninguém aguenta a verdade inteira, como não se tolera olhar directamente para o sol. Foi a inteireza que condenou Mersault e é nessa que renascerá.
A um instante da execução crê recomeçar. Nesse momento de expiração, mais do que o amem, deseja com fervor que o odeiem profunda e exultantemente. Somente bizarro ou derradeiro grito de liberdade?
195 BPM – A adquirir. Um livro para reler a vida toda. Cito o advogado de defesa: «Eis aqui a imagem deste processo: tudo é verdade e nada é verdade.»

Publicação original AQUI.

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