quinta-feira, 21 de setembro de 2017

Ando desde o dia em que recebi o telefonema da Ana para escrever sobre a Rita, cobarde para fazê-lo, porque ao firmar as palavras guardadas assumirei, enfim, o que gostaria que fosse mentira. Uma tremenda partida-maldade que pudesse ter esclarecimento. Decorreram estes dias e ela não regressou. Defronte ao parque em que nos juntámos para lhe prestar tributo, no dia seguinte à despedida derradeira, alinhavo frases que me ajudem a compreender a injustiça. Segmentos tortos. Feios. Tristes. Sem o brilho que ela mereceria neste esforço inglório para fixá-la. Como reter uma pessoa em palavras. Principalmente, uma mulher como ela que iluminava, apesar das provações. «Admiro-te.» Disse-lho algumas vezes. Ela ria-se, apoucando o meu fascínio, como se fosse simples o que fazia, o quanto lutava. Era aquele tipo de pessoa que de uma gota no fundo de um copo agradecia a bênção de a ter provado, saciava a sede por maior que fosse e sorria. Sorria inteira, mas mais com os olhos. É como a recordo. Rosto rasgado em riso, energia inesgotável, olhar vívido onde nunca li queixume. Que desígnio havia em levá-la. Lamento não crer em nada maior do que a própria vida, enquanto é e a Rita era enorme e tão necessária. Cá. Todos os dias recordo que a conheci, privei com ela e que a oportunidade de me inspirar com o seu exemplo mora, agora, apenas na memória. Passaram duas dezenas de dias e permaneço incrédula. Não faz sentido esta partida prematura. Penso no João e na Isabel que não mereciam ter de lidar com a dor mais funda. Intransmissível. Com uma saudade que será, enquanto viverem. Penso no José a quem o mundo desabou numa curva. Na família toda. Nos amigos íntimos. Se julgamos que isto passa a correr desenganemo-nos. O grave não é a rapidez com que corre, é deixar-se de ser de um segundo para o seguinte. Somos um sopro. A vida continua, sim, muito mais pobre e urgente.

Até já, Rita.

Sem comentários:

Enviar um comentário

OBRIGADA POR ME LERES.