Na rotunda intersecção da
avenida do descobridor com a do Repatriamento dos Poveiros, no percurso diário
para o meu lugar burocrático, um touro de bronze relembra a glória diminuta dos
actos divisores. Gosto de parar defronte olhando as gentes da terra e do mar
unas, combativas, abnegadas, fortes. Trabalhadoras. O meu destino, hoje, será diferente.
Passo por lá como alguém descobrindo, na bússola, o Norte. Sou poeta. Digo. Sou
poeta e entrego um cartão a mulheres sedutoras. De um lado o meu contacto, no
verso uma rima. Esta manhã, no Auditório Municipal, cruzei-me com ela. Vem de
longe. Notei os modos distintos. Denunciou-a a forma de se mover, antes de lhe
ouvir palavra. Estudei-a afastado. Nervosa em gestos repetitivos de
confirmação. Verificou a mala, ajeitou o cabelo curto, a franja. Compôs o
vestido verde-rubi. Subiu recatada a meia esquerda, quase até ao glúteo. Olhou
para o pulso direito à exaustão. De ora em vez, fixava-se nas pessoas que se juntavam
nas imediações. Retirava um caderno azul A4, com argolas brancas em espiral,
anotava e devolvia-o à carteira. Aproximei-me para me apresentar. É muito bonita
quando aguarda. Sorriso. Propus-lhe que nos sentássemos próximos, na Mesa
seguinte. Informei-a da folga dada ao relógio de ponto, para me dedicar às
Correntes. Dou-lhe a conhecer parte da cidade, no intervalo para o almoço,
acaso queira. Fez pouco caso, riu e afastou-se delicada, mal pôde, num trejeito
tão doce que me não agrediu a recusa. Não me demovo. Hei-de vê-la nas sessões
porvir e se me apetecer falo-lhe outra e outra vez, até que amoleça ou aceda a dar-me
atenção ou. Gosto de conversar, tanto como de fêmeas belas e, com isto, não
quero dizer irreais. Esta foge dos cânones mas revela qualidade atraente e rara:
Autonomia. Intuo apetência para a rebelião por detrás do porte impassível. O
que faz esta solitária a quilómetros de si. Parece de gelo e é lume daqueles em
que um homem se queima e desfigura, para sempre. Careço de esperança mas ajo
com ludibriante jovialidade, por isso me levam na brincadeira. Esta, exemplo
comum. Desconfiada, rindo em excesso do que lhe disse. Desacreditando a
intensidade colocada nas palavras proferidas. Escarneceu da disponibilidade que
demonstrei para me revelar. Vontade de a ferir pela ideia preconcebida que faz dos
homens. Não entendo. Audaz e um gesto simples, como a confidência trocada entre
estranhos, tamanho constrangimento. Encolheu-se amedrontada, esquiva. Deu
passos pequenos atrás. Pressenti a intenção de me deixar sozinho. No princípio
da repulsa saí de cena. Despedi-me com vénia afantochada. Adoraria ouvi-las rir
por bons motivos. Cócegas que lhes fizesse com os cabelos na epiderme dos
adutores. Queixume useiro. Na plateia observei-a ávido de olhos postos no
Eminente E.. As mãos tremiam-lhe alvas, geladas. Dava tudo para ter impressões
digitais daquelas a percorrerem-me voluntariosas. Não suspeitou ou mostrou-se
indiferente a que a espiasse. Terá anotado o que ele disse ao detalhe. Escrevia
a velocidade incrível sem verificar o redigido. Era retribuída na intensidade.
Num auditório esgotado torna-se difícil aferir quem vêem os convidados. Olhos
atentos atestariam a conexão. Quanta raiva dele. Há pessoas-facilidade e, outras,
infortúnio no esforço. Terá havido mulher a valorizar a minha poesia. Releio os
versos, inepto para desvendar a insuficiência de que padecem.
Insisto.
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OBRIGADA POR ME LERES.