quarta-feira, 9 de março de 2016

V - Teresa S.



No dia da cobardia maior investi-me de toda a coragem. Vinte e um de Fevereiro triste. Estreei o “não”. Havia de acontecer contigo a quem desejei pelo toque dos olhos, primeiro, da pele depois. Experimentei todos os tipos de dependência. Restava a intelectual. Identifiquei o momento de parar. Lamento perder-te antes do princípio e que me julgues fraca ou encares esta fuga com a altivez dos convictos. Massacro-me pela citação do Buarque. Perturbada, não te ouvia. Coloco a Futuros amantes na lacuna para me relembrar que nos tocámos. Tu enorme e eu minúscula numa sintonia qualquer. Isolados das restantes cidades do mundo. Embatemos tontos: ombros, braços, coxas. Dançámos naquela calçada, rodeados. Ninguém além de nós o compreendeu. Como imaginar-me eleita entre as pessoas interessantes que te sobrevoam. Imperceptível, ao início, as tuas mãos em todo o lado buscando as minhas. Subestimei o teu sorriso pedinte. Incrédula e avançavas determinado, tempo nenhum a perder. Achei-me nua na tua frente antes de me despires. A certeza de me teres na tua cama, minha também, sacudiu-me. Impediu-me de avançar. Abandonar-te antes de ser enjeitada, a solução única convincente. Fugir antes de ler o meu coração partido pela tua intempérie. Irónico. Eu descrente do amor, das paixões irremediáveis, a proteger-me do devaneio. Passo o fingimento de poeta. A vontade insensível ao que levo debaixo da pele. Dispenso a classificação aritmética. Quantos dígitos no somatório. Recuso a aprendiza idólatra. Preciso descortinar se anseio o teu sexo, a tua saliva, o teu cheiro ou me importa o intelecto, as criações, a tua importância. Deve amachucar quererem-te por seres o Eminente E.. O que se apaga no teu íntimo. Será que te asseguras sobre as ambições de quem te permite a aproximação feroz, sem argumentos que te dêem a conhecer quem tens defronte. Da púdica guardo pouco. Não se trata de proteger honra nem de romantismo ou sensatez. Amor-próprio, claro. Exigir o conhecimento da biografia com que te misturas na partilha da intimidade e que dês a conhecer as partes invisíveis da tua. Não me importo com um amante furtivo, de me esconder, nem de haver um prazo limitado para amar. Faria pouca diferença limpar as marcas da tua passagem no meu corpo a cada colisão. Os relacionamentos amorosos, casos de vida maior, morrem como tudo o que pulsa. Isto é a biologia. Aqui a conversa é sobre profundidade. Nada importante se despacha com tanta leveza. Terminou a sessão e avançaste para fora do auditório. Um ténue sinal para te seguir sem necessidade de me orientares. Entrámos no elevador onde te senti no pescoço, nas costas, nas nádegas, na parte anterior dos joelhos. Os nós das tuas mãos encaixaram-se nas minhas. Um corredor labiríntico, a porta ímpar no piso empestado de alcatifa. Agi por impulso. Dei passos-âncora de respiração alterada. Virei-me para os teus olhos. Agarraste-me a nuca. Com os polegares desenhaste os meus lábios. Molhaste-os.

«Até depois».

Recuei antes do beijo que firmasse a tua na minha boca. Podíamos ter sido os melhores, juntos. Fracassaríamos. «O odor da tua transpiração excita-me.» Fica por dizer. No dia da coragem maior investi-me de toda a cobardia.     

- Afinal preciso que me deixe na Rua Dr. Leonardo Coimbra, por favor.

- Tem bilhete para regressar?

- Sim. Não se preocupe. Não me esqueço do seu cuidado. Obrigada!

- Quer que mude a música, entretanto?

- Deixe-a cantar. Soa tranquila.

- Vou dar-lhe um cartão com o nome. – Reforça. – Teresa Teng. Tian mi mi. Ouça também o For the good times, cantado pelo Kris Kristofferson. É formidável.

- Obrigada. Voltarei a eles noutra altura.

Reparo na camisola branca do condutor repleta de símbolos bordados a vermelho e a preto. Uma espécie de código em ponto de cruz. Pitoresca, díspar das camisolas quentes a que estou habituada. Inspira identidade. O Eminente E. havia de a descrever tal como existe e quem o lesse teria imagem própria e precisa dela. Eu falho. Somos separados. Nunca estivemos para acontecer. Pago a corrida. Saio do carro. Retiro a mala com dificuldade.

- Leve o cartão.


 




























Sem comentários:

Enviar um comentário

OBRIGADA POR ME LERES.