«Entra. Entra mesmo.»
Suspeitava. Tremente. Apesar de se tratar de um simples pedido intuía a
autoridade, o pavor do passado, incapaz de desobedecer. No momento em que a
percebeu próxima mergulhou a cabeça no autoclismo, fixando as mãos na parede
acima das omoplatas. Com horror constatou-o despido, com os pêlos do tórax
colados a sangue. Matava-se à sua frente. Uma última crueldade antes de a (não)
deixar. Que ela assistisse e se enchesse de culpa. Em pânico tentou erguê-lo,
pelas axilas. Ele contrariou-a. Resistiu até que a vida foi menos forte, do que
o fim. Transportou-o, então, para o tapete azul. Tão pesado quanto as memórias
que lhe legava. A última superando as anteriores. Tentou salvá-lo. Pancadas no
externo, que animassem o coração que acreditava nunca lhe ter pulsado quente,
no peito. Empenhou-se nos duros movimentos que o devolvessem mas a morte, por
cima, espreitava-o do ombro. Eis que entendeu não poder salvá-lo. Nunca tal lhe
competira. Ele acabado. Ela pranto despedida. Liberta do que era ético deu-lhe
a primeira bofetada. Costas da mão. Osso com osso. Sovou o rosto hirto e o
corpo desabitado, com a cólera dos anos de desconsolo e medo. Não o magoava.
Aquela tareia um nada, comparando com o quanto fora agredida. Gastara o último
fôlego com tortura.
«Acabo por tua causa. Vê.»
Chegou a primeira testemunha. Loura, olhos verdes, possante. Dedo em
riste:
«Foste tu.»
Ela dizia que não. Mostrava-lhe as mãos da parede, maiores do que as
suas. Não as suas. Outras mãos. O mesmo sangue. Tentava provar a inocência há
muito perdida.
«Foste tu.»
Abriu os olhos, a boca e as narinas, para que a outra percebesse as
cicatrizes que a pele imaculada ocultava.
A nudez e a morte do abusador eram incontestáveis. O dó que inspirava
era a pele, feita à medida, que lhe vestiram.
«Foste tu.»
Adormeceu extenuada. Podia esquecer o pesadelo.
Andreia Azevedo Moreira
Criado em Fevereiro de 2011. Saiu para a Rua, pela primeira vez, em Abril de 2013.
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