segunda-feira, 8 de abril de 2013

«PESADELO»

Suplicou que entrasse. Estava sentado. Havia vapor no ar e um cortinado de plástico confinava-o no cubículo. Reticente limitou-se a espreitar. Via-lhe a cara molhada.

«Entra. Entra mesmo.»

Suspeitava. Tremente. Apesar de se tratar de um simples pedido intuía a autoridade, o pavor do passado, incapaz de desobedecer. No momento em que a percebeu próxima mergulhou a cabeça no autoclismo, fixando as mãos na parede acima das omoplatas. Com horror constatou-o despido, com os pêlos do tórax colados a sangue. Matava-se à sua frente. Uma última crueldade antes de a (não) deixar. Que ela assistisse e se enchesse de culpa. Em pânico tentou erguê-lo, pelas axilas. Ele contrariou-a. Resistiu até que a vida foi menos forte, do que o fim. Transportou-o, então, para o tapete azul. Tão pesado quanto as memórias que lhe legava. A última superando as anteriores. Tentou salvá-lo. Pancadas no externo, que animassem o coração que acreditava nunca lhe ter pulsado quente, no peito. Empenhou-se nos duros movimentos que o devolvessem mas a morte, por cima, espreitava-o do ombro. Eis que entendeu não poder salvá-lo. Nunca tal lhe competira. Ele acabado. Ela pranto despedida. Liberta do que era ético deu-lhe a primeira bofetada. Costas da mão. Osso com osso. Sovou o rosto hirto e o corpo desabitado, com a cólera dos anos de desconsolo e medo. Não o magoava. Aquela tareia um nada, comparando com o quanto fora agredida. Gastara o último fôlego com tortura.

«Acabo por tua causa. Vê.»

Chegou a primeira testemunha. Loura, olhos verdes, possante. Dedo em riste:

«Foste tu.»

Ela dizia que não. Mostrava-lhe as mãos da parede, maiores do que as suas. Não as suas. Outras mãos. O mesmo sangue. Tentava provar a inocência há muito perdida.

«Foste tu.»

Abriu os olhos, a boca e as narinas, para que a outra percebesse as cicatrizes que a pele imaculada ocultava.

A nudez e a morte do abusador eram incontestáveis. O dó que inspirava era a pele, feita à medida, que lhe vestiram.

«Foste tu.»

Adormeceu extenuada. Podia esquecer o pesadelo.

 

Andreia Azevedo Moreira

Criado em Fevereiro de 2011. Saiu para a Rua, pela primeira vez, em Abril de 2013.

 OBRIGADA POR ME LERES.

 

Sem comentários:

Enviar um comentário

Obrigada, pelo tempo.