Apaixonou-se por uma Ideia que não se enamorou de si. Tanto lhe fez.
Consumou a paixão. Permitiu que a possuísse. Penetrada acolheu-a, seguindo
ritmada no devaneio. Uma Ideia como tantas outras, que se formulam no decorrer
do pensamento. Todavia, muito forte e dominadora. Agarrou-a por trás, pelos
cabelos e sussurrou-lhe: «Quieta». Não temeu a voz. Passava a vida a ouvi-las, às
vozes que lhe iam dizendo coisas sobre o que lhe acontecia. «Quieta». Sem
vontade de obedecer, apetecia-lhe virar-se para abraçá-la. A vontade desse
abraço asfixiava-a. Queimava-a por dentro. Quase o sentia. Uns preferem os
beijos. Ela elegia os pescoços quentes entrelaçados. Esquecia-se de que a Ideia
não estava ali. Desejava-a, imaginando-a perto. Não lhe pertencia. Não
vislumbrava como fazer para a ter. O que podia tentar, para conquistá-la.
«Incompetente!» Também não estava certa de querê-la fosse real, ou alcançável.
A urgência era tudo. Movia-a. Considerou ser possível combater a Ideia com
palavras, como sempre fizera. «Hei-de
escrever tanto sobre ti, que te esgotarei. Cansar-me-ei de tanto te falar. Até
que sobre o silêncio. A ausência de ti. A não Ideia.» A Ideia ria-se. Ridicularizava-a.
Ela achava-se prostrada pelos sintomas febris de mulher obcecada. Da cópula
gerou-se um ser. Talvez outra Ideia. Algo que ela muito amava, com desespero. Ainda
um feto. Ao invés de lhe fazer aumentar a barriga, cresceu-lhe em direcção
inconcebível. Uma intensa força interna, opressora como uma jibóia. Todos os
dias crescia mais um pouco. Ela acarinhava a barriga, embora esta não se
desenvolvesse como suposto. O feto agarrava-se com as suas mãozinhas aos
órgãos, às artérias e empurrava com os pezitos as vísceras, para trepar até
onde queria. Ao coração. Ela não se sentia bem. Atribuía o mal-estar à gravidez
sem saber, ainda, que aquele sentimento a havia condenado. Cresceria tanto esse
filho, gerado da paixão demente, que acabaria por transformar-se nela própria.
Daria à luz, sim. Era o que lhe restava da Ideia que chegara, fizera amor
consigo e partira leviana e indiferente aos estragos que deixara para trás. A
gestação decorreu e aos nove meses não houve parto. Os médicos não lhe
encontravam mal diagnosticável, pelos procedimentos normais. Também não existia
o bebé que gritava carregar no ventre. «Salvem-no!» Ordenava-lhes. Disseram-lhe
que nada podiam fazer, se fora tudo inventado. Asseguraram-lhe que estava
louca. «Gravidez histérica.» Virou costas. Altiva. Não importava que alguém,
além de si, o confirmasse. Para a certeza dispensam-se testemunhas e ela acreditava
mais no que não via, do que nas ciências exactas. Fê-lo nascer sozinha. Criou
determinada o fruto desse grande amor. Todos os dias lhe ensinou:
«A vida é não
desistir.»
Andreia Azevedo Moreira
Criado em Outubro de 2009. Saiu pela primeira vez para a Rua em 08-03-2013.
OBRIGADA POR ME LERES.
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