quinta-feira, 7 de março de 2013

«QUIETA.»


Apaixonou-se por uma Ideia que não se enamorou de si. Tanto lhe fez. Consumou a paixão. Permitiu que a possuísse. Penetrada acolheu-a, seguindo ritmada no devaneio. Uma Ideia como tantas outras, que se formulam no decorrer do pensamento. Todavia, muito forte e dominadora. Agarrou-a por trás, pelos cabelos e sussurrou-lhe: «Quieta». Não temeu a voz. Passava a vida a ouvi-las, às vozes que lhe iam dizendo coisas sobre o que lhe acontecia. «Quieta». Sem vontade de obedecer, apetecia-lhe virar-se para abraçá-la. A vontade desse abraço asfixiava-a. Queimava-a por dentro. Quase o sentia. Uns preferem os beijos. Ela elegia os pescoços quentes entrelaçados. Esquecia-se de que a Ideia não estava ali. Desejava-a, imaginando-a perto. Não lhe pertencia. Não vislumbrava como fazer para a ter. O que podia tentar, para conquistá-la. «Incompetente!» Também não estava certa de querê-la fosse real, ou alcançável. A urgência era tudo. Movia-a. Considerou ser possível combater a Ideia com palavras, como sempre fizera. «Hei-de escrever tanto sobre ti, que te esgotarei. Cansar-me-ei de tanto te falar. Até que sobre o silêncio. A ausência de ti. A não Ideia.» A Ideia ria-se. Ridicularizava-a. Ela achava-se prostrada pelos sintomas febris de mulher obcecada. Da cópula gerou-se um ser. Talvez outra Ideia. Algo que ela muito amava, com desespero. Ainda um feto. Ao invés de lhe fazer aumentar a barriga, cresceu-lhe em direcção inconcebível. Uma intensa força interna, opressora como uma jibóia. Todos os dias crescia mais um pouco. Ela acarinhava a barriga, embora esta não se desenvolvesse como suposto. O feto agarrava-se com as suas mãozinhas aos órgãos, às artérias e empurrava com os pezitos as vísceras, para trepar até onde queria. Ao coração. Ela não se sentia bem. Atribuía o mal-estar à gravidez sem saber, ainda, que aquele sentimento a havia condenado. Cresceria tanto esse filho, gerado da paixão demente, que acabaria por transformar-se nela própria. Daria à luz, sim. Era o que lhe restava da Ideia que chegara, fizera amor consigo e partira leviana e indiferente aos estragos que deixara para trás. A gestação decorreu e aos nove meses não houve parto. Os médicos não lhe encontravam mal diagnosticável, pelos procedimentos normais. Também não existia o bebé que gritava carregar no ventre. «Salvem-no!» Ordenava-lhes. Disseram-lhe que nada podiam fazer, se fora tudo inventado. Asseguraram-lhe que estava louca. «Gravidez histérica.» Virou costas. Altiva. Não importava que alguém, além de si, o confirmasse. Para a certeza dispensam-se testemunhas e ela acreditava mais no que não via, do que nas ciências exactas. Fê-lo nascer sozinha. Criou determinada o fruto desse grande amor. Todos os dias lhe ensinou:
 
«A vida é não desistir.»
 
Andreia Azevedo Moreira
Criado em Outubro de 2009. Saiu pela primeira vez para a Rua em 08-03-2013.
 
OBRIGADA POR ME LERES.

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