sexta-feira, 15 de abril de 2016

XII - Preia-mar; 16h02; 3.31m

                                                                                                                
Aflijo-me fora de pé. As conchas arranham os tornozelos frenéticos. Há uma turba violenta a ambicionar como eu. Ignoro-a. Que a derrota adie o aviso de me ter alcançado. Esquivo-me ao pavor de a tragédia ter ocorrido diante dos meus olhos cegos, de conceber que investi o essencial numa quimera à qual ninguém se junta. De que sirvo sem compartilhar o que faço. Refugio-me nos que cortaram a meta e quedo-me na certeza de que há, no meu calendário, um dia marcado para não chegar. Nem isso me dissuade dos intentos profundos. Um bebé lançado à água nada para se salvar. As frases surgem como uma maldição. Inolvidáveis. Enfrento a dificuldade. Um poeta que deixou saudades contou-me e à plateia, daquela Mesa, a história de Rilke em que este instou o discípulo a parar, desse-se o caso de o conseguir. O poeta grande morreu escrevendo. Mora na cabeça de todos a quem marcou a sua obra e o caminho íntegro. É isto a posteridade. A libertação do delírio de se construir o definitivo dá-se com a morte. Até lá, padece-se nesta vigília perene. As ideias sucedem-se, sugerem cenários, num exponencial jogo de combinações. Um detalhe verídico por mais insignificante é digno de explodir um universo. Noto a piedade nos eleitos. Aproximo-me, na mesma, sem me intimidar. Sou. A minha invisibilidade ostentada nos seus actos. Sou. Inspiro o ar ao redor do chileno, ao pequeno-almoço. Sentei-me próxima. Roço qual aragem a toalha da sua mesa. Deixo um dos meus livros brancos na cadeira ao lado da dele. Encosto-me à espanhola como se a louca da casa fosse eu e estar na mesma divisão nos conferisse sorte idêntica. Coloco, na sua mala, um dos exemplares incompletos com dedicatória. Imponho a companhia a duas portuguesas que calculam risonhas a minha pobre vista para o mar. Mais dois volumes e a incredulidade das bem-sucedidas. Inútil aferir se me reconhecem talento. Desta crise não se pode escapar. Dizerem-me «Não pode.» afigura-se simples mas desencadeia questões. Coloco-as e não as ouvem, tal como ficarão por ler as linhas invisíveis que lhes reservei. Terão encontrado um sentido. A plenitude. Há algo a almejar após o reconhecimento global. Pergunto. Almejamos utopias como a do esquecimento da morte. Na criação pensamo-nos eternos. Aprenderei a economizar as palavras. Quando. 

Uma folha de papel organiza-se melhor do que as entranhas. 

Respiração.    

Andreia Azevedo Moreira
Novembro a Dezembro de 2015

Texto #70 a sair para a Rua com o DAR PALAVRAS.

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