Aflijo-me fora de pé. As
conchas arranham os tornozelos frenéticos. Há uma turba violenta a ambicionar
como eu. Ignoro-a. Que a derrota adie o aviso de me ter alcançado. Esquivo-me
ao pavor de a tragédia ter ocorrido diante dos meus olhos cegos, de conceber
que investi o essencial numa quimera à qual ninguém se junta. De que sirvo sem
compartilhar o que faço. Refugio-me nos que cortaram a meta e quedo-me na
certeza de que há, no meu calendário, um dia marcado para não chegar. Nem isso
me dissuade dos intentos profundos. Um bebé lançado à água nada para se salvar.
As frases surgem como uma maldição. Inolvidáveis. Enfrento a dificuldade. Um
poeta que deixou saudades contou-me e à plateia, daquela Mesa, a história de Rilke em que este instou o discípulo a
parar, desse-se o caso de o conseguir. O poeta grande morreu escrevendo. Mora
na cabeça de todos a quem marcou a sua obra e o caminho íntegro. É isto a
posteridade. A libertação do delírio de se construir o definitivo dá-se com a
morte. Até lá, padece-se nesta vigília perene. As ideias sucedem-se, sugerem
cenários, num exponencial jogo de combinações. Um detalhe verídico por mais
insignificante é digno de explodir um universo. Noto a piedade nos eleitos.
Aproximo-me, na mesma, sem me intimidar. Sou. A minha invisibilidade ostentada
nos seus actos. Sou. Inspiro o ar ao redor do chileno, ao pequeno-almoço. Sentei-me
próxima. Roço qual aragem a toalha da sua mesa. Deixo um dos meus livros
brancos na cadeira ao lado da dele. Encosto-me à espanhola como se a louca da casa
fosse eu e estar na mesma divisão nos conferisse sorte idêntica. Coloco, na sua
mala, um dos exemplares incompletos com dedicatória. Imponho a companhia a duas
portuguesas que calculam risonhas a minha pobre vista para o mar. Mais dois
volumes e a incredulidade das bem-sucedidas. Inútil aferir se me reconhecem
talento. Desta crise não se pode escapar. Dizerem-me «Não pode.» afigura-se simples
mas desencadeia questões. Coloco-as e não as ouvem, tal como ficarão por ler as
linhas invisíveis que lhes reservei. Terão encontrado um sentido. A plenitude.
Há algo a almejar após o reconhecimento global. Pergunto. Almejamos utopias
como a do esquecimento da morte. Na criação pensamo-nos eternos. Aprenderei a
economizar as palavras. Quando.
Uma folha de papel organiza-se melhor do que as
entranhas.
Respiração.
Andreia Azevedo Moreira
Novembro a Dezembro de 2015
Texto #70 a sair para a Rua com o DAR PALAVRAS.
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OBRIGADA POR ME LERES.