terça-feira, 30 de maio de 2023


Passou um mês.

Dia 30 de Abril de 2023 recebi uma mensagem ao fim da tarde que não soube ler.

Li-a. Racionalmente sabia o que significava mas não acreditei.

(Ainda não acredito que morreste.)

Já me tinham morrido entes essenciais. 

Mas nenhuma morte me atingiu como esta.

Penso que o que diferencia essas mortes desta violência, é que para as outras pude preparar-me. Fui-me despedindo. Tive tempo. Ou sendo súbitas, confrontaram-me desde logo com a urgência de continuar a viver.

Esta morte não mo concedeu. Era impossível preparar-me para a morte da própria vida pulsante.

O Luís Carmelo era, o Luís Carmelo é.

Não teríamos capacidade para dizer adeus, ainda que nos tivessem informado sobre o dia e a hora da partida.

Há uma conversa implacavelmente silenciada.

Continuo ciente da urgência mas ando a reaprender onde colocar os pés para sentir a alegria.

O Luís trazia em si o espanto e o encantamento pelos princípios, característicos das crianças.

Era um ser humano ímpar, generoso. Reuniu com a sua índole entusiasta, pelo seu modo de nos bem-querer, uma família: a EC.ON(ostra).

Quem chegava permanecia, acolhido, sentindo a pertença.

O nosso amigo Luís partiu há um mês e há trinta dias que vou anotando pormenores dos quais me lembro sobre ele, o que vivemos, o que partilhámos.

Há um mês que sinto falta de ar, angústia, zanga, torpor, incredulidade.

Foram nove anos de convivência com uma importância fulcral.

Nas sessões ECON ouvi uma boa parte dos escritores da nossa praça, com quem aprendi imenso.

Descobri livros maravilhosos nos clubes de leitura.

Publiquei os meus próprios livros graças à ousadia generosa do Luís.

Participei nas Correntes D'Escritas, sonho sequer sonhado de tão impensável, com o colo dele e do também generoso RAP que não me deixaram cair.

Almoçámos, jantámos, rimos, chorámos, festejámos (não festejando, porque ele não gostava) Natais e Aniversários, brincámos, conversámos, confidenciámos, cervejámos, panachezámos, fomos ao Melhor, ao Ritalinos, ao Coreto de Carnide, ao Povo, à Menina e Moça, à Barraca, petiscámos, passámos horas na Rua do Possolo e mais tarde na nossa cave, na Travessa do Possolo, covil de utopias.

Sofremos perdas e percalços em coro. 

Desafinámos.

Sobretudo, sonhámos juntos.

Acima de tudo, fomos uns dos outros. 

Somos ainda. Seguimos juntos mas sem voz. 

Prosseguimos enfraquecidos pela ausência da alma-motriz.

Conhecer o Luís, conviver com o seu espírito único, foi um imenso privilégio. 

Era um Mestre. 

Génio literário de fulgor incomparável. 

Estudem-no, leiam-no, divulguem-no. As obras ficarão. Será lido, relido, anotado, comentado.

Em termos humanos já a perda é irreparável.

Continuará connosco, sim. Enquanto houver alguém que o tenha amado não será esquecido mas o que queríamos mesmo, mesmo, era ter tido mais tempo daquela companhia luminosa e iluminada.

Ele dizia que era uma sorte sermos contemporâneos e termo-nos encontrado. 

Humilde. 

Sem ele não se teriam dado tantos felizes acasos. 

Sem ele não havia nós.

Aberto ao outro, curioso, agregador nato. Fazia o que estava ao alcance para levar alegria a quem a quisesse. Quando planeava não fazia de si o centro. Arranjava maneira de nos pôr a dançar de entusiasmo. 

Passional, apaixonado, intenso, hiperactivo, intergaláctico, querido Luís Carmelo. 

Não houve um momento de constrangimento desde que o conheci. Foi desde o primeiro dia, desde a minha primeira sessão ECON (com o João Paulo Cotrim), chegar a casa.

São já muitas, imensas, devastadoras as saudades.

Obrigada, obrigada, obrigada.

E até já, nosso Timoneiro.























2 comentários:

OBRIGADA POR ME LERES.