quinta-feira, 22 de fevereiro de 2024

«TENHAM UMA BOA VIDA»


Da primeira vez que li este livro gostei muito, tal como gosto muito da escrita do Francisco e já lho disse muitas vezes. Relê-lo foi poderoso, avassalador, até. Foi como abrir uma cápsula do tempo que ele, precavido do futuro, preparou para nós.

Com ele regressei ao espanto e ao encantamento do início, do que senti às primeiras sessões na ECON.

Discordo do Francisco quando escreve que cada vida tem um sempre. Para mim, tem tido vários e este é sem dúvida um deles, um dos mais especiais que levo como cicatriz desta vida, para usar as suas palavras.

O livro tem ritmo, graça nas suas constantes considerações e apartes e filosofia se me é permitido afirmá-lo.

O Francisco domina a linguagem e joga com ela de um modo extremamente inteligente, fazendo-nos parar, fazendo-nos pensar, conjecturar, olhar por diferentes prismas. Explora-os, levando sempre mais além o que antes disse, alterando as palavras até encontrar a justa, apurando a sua escrita diante dos nossos olhos leitores.

Aprecio as alusões subtis que faz aos livros que leu, partilhando connosco o seu caminho, acicatando o nosso espírito leitor.

Encontrei o Senhor Palomar e o Se numa noite de inverno um viajante.

Adoro a passagem da página 10 em que o narrador é interpelado passando por isso mesmo à descrição do aqui.

Vejo-o, sinto-o, relembro-o com uma intensidade que me comoveu muitíssimo no diálogo que imagino que o narrador estabelece com a Florbela desmultiplicada nos quadros que nos eram tão familiares.

Recordo o entusiasmo que sempre sentia, ali, no aqui ao aprender.

Relembro os primeiros instantes: através da atenção do escritor ao detalhe, a observação minuciosa dos gestos (como por exemplo o golinho de água do palestrante que significará coisas distintas consoante as sessões e os seus momentos).

O fascínio de ter perto um escritor maior que admiramos, o Gonçalo e ver que o génio é próximo, é atento, é nosso, disposto a pôr-nos encarando-nos uns aos outros.

A minha parte favorita é esta, em que o Francisco disserta sobre os lugares que escolhemos ocupar e como existem pessoas que inventam lugares que não existem e abrem caminhos aos outros a partir de si.

Adoro que nos fale de canções, de música, de músicos e em particular do João Aguardela (parte importante do meu sempre adolescente) que adivinhamos nas suas memórias.

E adoro que nos fale da luz daquelas paredes que eram o Luís.

A nossa toca, ninho, covil, casulo, torre de babel, aeronave, a nossa lua.

Onde pude ser. Onde me senti livre. Onde pertenci.

Termino agradecendo ao Paulo ter feito esta escolha para o clube de leitura em mais uma das suas sessões magníficas em que escava os sentidos dos livros e no-los dá a conhecer em vertentes que sozinha jamais alcançaria e ao Francisco quero dizer, abusando das suas palavras: fizeste deste livro uma sobra que vai sobrar no meu sempre, o sempre que foi e é em mim a ECON, com os seus risos, abraços, petiscos, convívios, amizades, partilhas de alegrias, dores e agora, também, de uma saudade incurável.

 

 

 

 

2 comentários:

OBRIGADA POR ME LERES.