O mundo enlouqueceu, ou anda louco há tempo demais e eu já não consigo fingir que posso viver a vidinha descansada como se não se passasse nada, "lá fora".
Tem tomado conta uma tristeza paralisante e avassaladora. Parece não haver espaço para a complexidade do humano, para as suas contradições. Ou sou isto, ou sou aquilo. Ou a favor ou contra.
Não posso ser contra a morte de milhares de inocentes em condições perversas e desumanas e ainda assim não ser anti-semita, como ouço/leio por aí?
Não posso encarar o Netanyahu como o criminoso de guerra que é e saber que ele não é o povo de Israel?
Não posso saber da existência do Hamas com tudo o que tal implica de violência terrorista (embora também consiga vislumbrar que é resistência) e perceber que um povo inteiro não pode ser castigado pelas acções desse movimento?
Não posso considerar hediondo o que se passou a 07-10-2023, sofrer pelos que foram/são torturados e/ou morreram de modo cruel e pelos que ainda estarão vivos, sabe-se lá em que condições e, em simultâneo, sentir que me quebro, dia-a-dia, a assistir em directo a um genocídio que parece só ter hipótese de parar quando alienarem um povo inteiro do seu território, deixando os que sobreviverem irremediavelmente exilados e estropiados?
Não posso compreender que de ambos os lados há muitas incompreensões, muita injustiça e ao mesmo tempo perceber a enormíssima desigualdade entre força opressora e parte oprimida?
Não posso tentar compreender a dificuldade que terá havido nos anos 40, para fazer algo pelos judeus que sofreram as atrocidades do Holocausto e, em simultâneo, achar horroroso e incompreensível o que tem acontecido desde a Nakba até aos dias de hoje, aos palestinianos?
Sou ignorante e ingénua: mas e isto?
Dará menos trabalho odiar e o ressentimento.
Sinto que são uma escolha.
Anda tudo aos gritos a arrancar cabelos, convictos das suas verdades "inequívocas", esquecendo o mais importante: o planeta seria suficiente para todos, não fora a ganância do humano capitalista.
Era suposto termos evoluído um bocadinho desde a pré-história. De facto: em termos tecnológicos e científicos. Sem dúvida. Mas e por dentro? Continuamos tribais? Agimos como irracionais?
Será, ainda, possível o que estes dois conseguiram?
Parar, ouvir, conhecer, perceber que, no que é fundamental, somos parecidos?
Há um exercício doloroso a fazer: reconhecer que até mesmo os monstros da actualidade terão lá, muito no fundo das suas trevas, uma centelha da humanidade que acredito existir em todos. Isto é o mais difícil. Reconhecer a humanidade daqueles que considero representarem o pior de que o humano é capaz.
Mas é isto mesmo: não posso desumanizar quem quer que seja.
Também já aprendi que é às mãos da tolerância que a democracia pode ruir.
Paradoxo dos dias que correm a chafurdar no oposto daquela.
Espalhar amor, gentileza, o encantamento pelas coisas belas, apesar da fealdade de alguns seres que caminham com as mãos afundadas no próprio poder, é uma escolha, apesar da impotência e do cinismo que sussurra desiste, somos sem remédio.
Agora, mais do que nunca, quem acredita na paz (e eu acredito) tem de sacudir o desânimo dos ombros, tem de se reerguer e caminhar. Aprender a dar a outra face. Aprender a amar apesar do ódio. Fincar o pé no território do amor ao próximo. Até àquele que me agride.
É dificílimo... É... É impossível? Talvez...
Visto daqui, deste lugar de mulher ingénua e ignorante, afigura-se o único viável, para não nos destruirmos uns aos outros, ainda antes de o planeta e as alterações climáticas nos mandarem para o galheiro.
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