segunda-feira, 3 de novembro de 2025

David Bowie – Space Oddity (Official Video)


Poema aos que tentam ajudar, mas lidam mal com o desconforto de ver uma pessoa a flutuar na própria merda (eu já fiz isto que agora me agride. Não me excluo de nada que um humano possa fazer):

Adoro que me digam anima-te, quando não fiz outra coisa a vida toda.
Salta, Andreia!
Ri!
Dança!
Ri muito! 
Com as gengivas todas a revelarem a alegria de que és capaz.
E é tanta, não é Andreia? Deia Meia. Palhaçona.
Ah como é bom estar perto de ti, tão leve que foste um dia.
Que se foda. Sabem?
Deixei a depressão ganhar. 
Deixei mesmo.
Enxotei-a afincada, competente e funcionária nos anos transactos. 
Bem sucedida na arte de ludibriar a nuvem que me choveu em cima da moleirinha, em muitos dias.
O meu pai dizia moleirinha.
E toleirona.
Dizia cagani-caganó.
Não me chateies a molécula.
E tinha um humor bastante negro a roçar a crueldade.
O meu pai morreu e eu já posso descansar.
Disse-lhe que o amava com as letras todas, em voz alta, e abracei-o, não metaforicamente. Abracei-o com medo mas não deixei de fazê-lo.
Beijei-lhe a mão moribunda e ele beijou a minha diante de um coração desfeito que não era o dele em falência orgânica. 
Já não tenho um fantasma sobre os ombros.
Ou secalhar tenho, mas mete menos medo do que quando ele estava vivo.
Sim, sei que a depressão há-de ir embora.
Sim, sei que hei-de sentir a alegria outra vez a pulsar dentro do peito.
Sim, sei que não me vou matar, porque a vida é demasiado preciosa e amo-a mesmo quando estou na merda.
Mas não me digam anima-te. 
Foda-se.
Sou doutorada em animação.
Andei estes anos todos animada. Não gostaram de me ver sempre a rir. Não me elogiaram sempre o estardalhaço da gargalhada?
Agora preciso de descansar. E não tem mal nenhum.
Meto o capacete para esta nova fase.
Deito-me.
Descanso.
Respiro.
Durmo durante horas.
O meu pai morreu no dia de Natal e em vez de encará-lo como a sua última traquinice enviesada, encaro-o como um presente de um pai que não soube amar a sua filha mas se deixou ir, nesse dia, como quem diz, descansa agora miúda. 
Pela primeira vez nesta existência tomo comprimidos que rimam com sexo em estrangeiro. Permito-me deitar a cabeça, baixar os braços e descansar.
É o fundo do poço, aceito. 
Mas já estou com as pernas flectidas para a grande propulsão, para a nova vida, fora deste mergulho em apneia que durou 46 anos. Venha o resto.
Aprenderei a respirar fora da água salgada das lágrimas. 


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