sábado, 3 de agosto de 2013

Pelo-me por desafios. Há dias respondi a um da "Associação de Palavras". Sou uma preguiçosa desgraçada. Preciso de prazos para (me) cumprir.

Consistia em escrever uma carta, contrariando a tendência actual das abreviações (sms, tweets e afins.) Aí vai alho...

andreia am <…> 

Jul 29 (6 days ago)

to associacaodepalavras2013@gmail.com 

Olá! Olá. Nunca sei se será melhor parecer-se feliz, ou contido. Ando há muito tempo para te escrever. É hoje. Preferiria fazê-lo à mão, com a minha parker bordeaux da vida toda, mas depois teria de digitalizar a carta para enviar para o e-mail da Associação de Palavras e não seria certa a legibilidade da minha letra. Pelo menos, não na totalidade da missiva, que terá notas de rodapé e rasuras. Tinha saudades de te escrever. (Sim, eu sei, ainda ontem o fiz, mas tu não sabes. E por isso não faz mal escrever-te à exaustão. Não te canso.) Uma pessoa anda pela vida esquecendo-se das pessoas que lhe fazem falta e eu passo os dias a dizer que a culpa é do tempo, da rotina, das escolhas que ignorante fiz. Que é que tens feito? Gostava de te conhecer melhor as noites, os sonhos, principalmente os pesadelos. Não quero saber tudo, apenas mais do que sei, que é nada. Imagino-te apenas. E dessa idealização nasceu uma pessoa que não existe a não ser na minha cabeça. É para ti que não és que escrevo. Tento chegar-te e a resposta não vem porque não há destinatários na Terra do Nunca. O carteiro repreendeu-me muitas vezes antes de desistir e começar a guardar-me as cartas. Penso que se apiedou de mim. Entendeu que tenho de as enviar para algum lado. Agradeço-lhe o gesto fingindo que acredito que as minhas palavras chegam sãs e salvas ao destino. A ti. Que mal tem se me iludir um pouco? Uma vez a minha tia-avó disse-me o seguinte: «A vida é uma mentira e as verdades que tem são muito duras.» Na altura não a entendi. Ainda não te tinha criado. Vivia apartada desta loucura, de tamanha asfixia. Era tudo muito simples. Branco, ou preto. Havia uma deficiência visual nos olhos da minha alma que me impedia os cinzentos e as cores do arco-íris. Sei que se me ouvisses ficarias com pena deste vazio. Não é caso para tanto. Sou tão-só uma pessoa perdida. Observo os que me parecem conhecer os seus caminhos e afiguram-se-me igualmente desnorteados. Queremos mesmo ter mapas? Nunca tive jeito para a lógica, tão-pouco sentido de orientação. Habituei-me. Vivo às apalpadelas e é por isso que bato tanto com a cabeça. Quando tal me acontece por vezes acordo, outras entro em coma. Nesses períodos de desligamento sonho. Foi num sonho que te encontrei? Pareces-me tão real. Visualizo-te de forma tão clara. Conheço-te inclusivé o jeito de dizeres mal algumas palavras. Tens dito mal o meu nome. Estou à tua frente, olho-te nos olhos e tu pimbas, soletras-me ao contrário. Onde há uma vogal pões uma consoante. Onde deveria haver uma consoante eis a vogal. O que deveria rimar com sedimento, rima com escrita. Houvesse cura para o desacerto e já a teria encontrado. Ando há anos a tentá-lo. A fronteira entre a sanidade e o purgatório é ténue. Um momento tinha apenas um pé dentro da água fria do Oceano (Único denominador que nos é comum.), no seguinte afogava-me. Tenho água nos pulmões. Falo-te e só te chega glugue glugue glugue. Talvez por isso nunca me tenhas respondido. Aquilo de não haver destinatários numa Terra que é Nunca é desculpa tua para me fugires. Espero um dia destes dar de caras com outro peixe, que me leve para águas mais calmas. Sinto-me extenuada nesta corrente. As mãos que me deram deixaram de saber nadar. Ando aflita para me manter à tona. Se isto te chegasse às mãos e te compadecesses de mim, respondias-me numa garrafa? Andava eu ao sabor da corrente, já desistida de ti e levava com ela na tola. Agarrava-a, sacava-lhe a rolha, retirava o canudo de material indestrutível que desenrolava no meu estertor e lia: O2. Então nadaria como quem voa e chegaria à tona como quem já tocou nas nuvens e viu que elas são mesmo algodão. Por ora cessarei de escrever-te. Tento esta vez, que desejo derradeira, deixar-te no fundo do mar. Dou à costa. Renasço. Subo àquela árvore, onde me rodeio do chilreio dos pássaros para que me alegrem na tua ausência definitiva. Vejo o carteiro a passar lá em baixo. Viro-me. Deito-me neste galho robusto. Pendem-me as mãos e as pernas mas a coluna sustenta-me. Fecho os olhos. Adormeço. Acordo a cair.

Que te cheguem nesta carta todos os beijos e abraços que nunca te dei.

Uma Pessoa Perdida(mente).

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