terça-feira, 6 de agosto de 2013

Semana #22 - «POUCA TERRA, POUCA TERRA, POUCA TERRA.»

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 «Pouca terra, pouca terra, pouca terra.» 

(Semana #22/ 5  a 11 de Agosto de 2013)


- Larga-me a mão, papá!
- Não posso. Anda daí.
- Onde?
- Já vais ver.
- É bonito onde vamos?
- Há paz.
- Precisamos de paz, papá?
- Preciso.
- E mais?
- Preciso de ti, também.
- Porquê papá? Para jogar à bola?
- Mais ou menos.
Não penses que te estou a usar, filho. Quero-te bem.
- Como usar um boné, por exemplo?
- Sim. Como usar um boné. Não estou a fazer isso.
- Então o que estás a fazer, papá? Porque me apertas com tanta força a mão? Dói um bocadinho, sabes? Não queres que fuja?
- É isso. Não me podes fugir. Não agora.
- Nunca fugiria. Gosto tanto de ti. Olha, gosto mais de ti do que de jogar à bola e tu sabes como eu gosto de jogar à bola, pois é?
- Pois.
- Larga-me a mão. Não fujo. Juro!
- Não posso filho. Preciso de ti.
- O que é precisar papá?
- É não poder passar sem... Não posso passar sem ti. Entendes? É por isso que te levo para onde vou. Para não estar sem ti.
- Mas estou sempre aqui papá. Não me vês?
- Sim, mas vou para longe e quero levar-te comigo.
- E a mamã?
- A mamã não vai.
- Como é que lhe mostro um passe muito fixe, que aprendi de manhã nas escolinhas?
- Não mostras.
- Não é justo papá. Quero mostrar-lhe. Também gosto muito da mamã sabes?
- Sei. Cala-te um bocadinho e acelera o passo.
- Tens pressa papá?
- Tenho.
- Porquê?
- Porque
é tarde para mim.
- Tarde? Ainda nem almocei!
- Quero que saibas que te amo muito.
- Vou ficar de castigo?
- De certa forma, sim.
- Mas não fiz nada de mal papá! Alguém te contou uma mentira? Não fiz mal. Não me ponhas de castigo!
- Tem de ser.
- Porquê?
- Porque quero que a tua mãe sofra. Que sinta o que é estar vazio.
- Queres aleijar a mamã?
- Quero.
- Isso não se faz papá. Não se aleijam pessoas de propósito! Tu é que me ensinaste lembras-te? Só tenho seis anos e sei.
- Tens razão. Agora não te consigo dar ouvidos. Nem te consigo ver. Só sei que é hoje que acabamos.
- Acabamos como no um dois três acabou a história?
- Sim.
- Não posso papá. Desculpa. Amanhã tenho de jogar com o João André. Prometi-lhe a desforra. Marquei-lhe muitos golos hoje sabes? Ficou chateado comigo. Quero que continuemos amigos, amanhã vou deixá-lo ganhar. 
- Amanhã não vais à escola filho.
- Papá, não posso faltar. Amanhã vou à escola, sim! Vais ver!
- Confia em mim. Aperta a mão do pai.
- Não quero papá. Estás a assustar-me com essa conversa do um dois três acabou a história. Ainda tenho muitos jogos combinados com o João André e tu não queres deixar. Fico triste, papá.
- Já decidi. Anda.
Confia em mim.
- Ai! - Começa a chorar, soluça com medo do, até então, companheiro de muitas brincadeiras.

(...)

- Porque me levaste? Não estava doente. Porque me apertaste com tanta força a mão, papá? Porque não me deixaste dar-te uma canelada e fugir-te? Sentava-me no passeio à espera de alguém que me viesse buscar. Talvez a mamã.
- A tua mãe nem pensar!
- Porquê?
- Porque já não nos quer.
 
- A mamã já não me quer?
- Já não me quer.
- E a mim?
- Hum?
- E a mim?
- A ti quer e nunca mais te vai ter.
- Ter?
- Sim. Eras nosso. Agora serás de ninguém.
- E tudo o que eu queria fazer? Vou ter tempo até à estação?
- Não filho. O que são os teus sonhos (perto da desilusão que sinto)?
- Cantas-me o "Pouca-terra-pouca-terra-pouca-terra. Uuuuuuuuú!"?
- Não temos tempo.
- Larga-me a mão! Larga-me a mão! Larga-me a mão! Tu não és o meu papá!
- Já não confias em mim?
- Não percebo o que estás a dizer. Só sei que amanhã quero jogar à bola com o João André. Quero
rir, correr, brincar e ser alegre!

(Criado Agosto de 2011. Revisto em Agosto de 2013.)


Obrigada por me leres.
PROCURO LEITOR. ÉS TU?

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