Está sentada no degrau onde por encosto arranjou uma parede
de azulejos azuis. Quinze homens enfrentam ondas desafiadoras perto do
escritor, do etnógrafo, do outrora presidente do município. A cabeça pende-lhe.
Bonita e antiga. Amo-a na vulnerabilidade. A saliva escorre entre os lábios
entreabertos. A saia queimou-se. Um montículo de cinza frio jaz no seu colo ladeando
o buraco recém-aberto no tecido. Um cigarro mal apagado no chão, ao lado dos
sapatos engraxados a preto, fumega resquícios de um vício libertador. Penduradas
nos seus pensamentos descrições precisas de massas informes. Imagens presas por
molas no estendal laboratório da sua mente. Conheço-a melhor a cada mergulho.
Aperfeiçoa-se na apneia. Ganha robustez na fragilidade resiliente. Aprende
sozinha a arte de perceber a força escondida em cada deficiência sua. Levanta-se,
sorri para a saia danificada, para os pés molhados. Limpa a bochecha com o
pulso. Cheira-o. Detesta o odor da própria saliva, adorando o das pessoas com quem
se deitou. Sente saudades de ter orgasmos e de escrever. Há quanto tempo o
vazio. Principia a marcha incerta como o bicho selvagem recém-parido que se
ergue e, de imediato, para sobreviver se põe a andar, a fugir, a comer. Corre
como respira. Autónomo. Sem progenitora que lhe valha. Sem pai que o proteja. Amor
nenhum além daquele que o agarra à vida. É nascer e partir. Haverá frase mais
curta do que o que medeia o parto e a morte. Virgínia caminha
bamboleante. Para trás louvores a peixeiras e pescadores. Para a frente honras
a homens que defenderam centenas de vidas arriscando a própria. Impede-se de reflectir
sobre a inutilidade da sua existência comparada à relevância dos que fizeram
diferença ao salvarem alguém. Quando muito é a si mesma que salva. Acredita
cumprir-se. Enquanto houver em si o interesse pelas histórias resistirá a
entregar-se. Espero-a onde acaba a terra. Pressa nenhuma.
Passeia com destino definido pelas ruas da minha cidade.
Demora-se na alegria antes de estacar na Rua José Malgueira. Enfrenta
consciente o edifício onde estão muitos dos que conseguiram sentados e outros
tantos falhos, como ela, de pé. Na mesma posição, vê quatro figuras de costas
para quem chega pela Santos Minho. Dois homens e duas mulheres. Um deles carrega
um saco do lado esquerdo. Miúdos correm chilreando inocências a perder. Virgínia
prende o cabelo, inspira profundamente, expande o peito ao limite. Ajeita o
peso da mochila nas costas. Acomoda as dúvidas ao fundo e ao meio.
A angústia incapaz do futuro.
XIX
Ruge.
Sem comentários:
Enviar um comentário
OBRIGADA POR ME LERES.