Há livros encantados e
encantatórios. «Torto arado» de Itamar Vieira Júnior deu conta de mim desde a
primeira linha, arrancando-me à vida, carregando-me inteira para dentro de
outras tantas. Belonísia, Bibiana, Donana, Salustiana, Santa Rita Pescadeira. Vozes
femininas possantes, vívidas, apaixonadas, duras, arrevesadas, sofridas, místicas.
Alguém me pare, por favor. Dizem não devermos abusar dos adjectivos. Ocorrem-me
tantos a propósito deste livro enorme. Achei-me num lugar, Água Negra, com os
cinco sentidos abarcando uma quantidade infindável de sensações avassaladoras. É
o poder de um livro nos raptar ao quotidiano do conhecido, para nos vermos
imersos em realidades antes inimagináveis e ser capaz de nos pôr naqueles pés
caminhantes alheios ao que somos. Linguagem primorosa que se estende por três
actos – Fio de corte, Torto Arado, Rio de sangue – que gritam coragem,
injustiça, a sobrevivência de um povo escravizado há séculos. Primeiro impudica
e malevolamente de papel passado, depois, rasgadas as posses, escravidão
encapotada sob máscaras de bondade podre. Na narrativa há a ignomínia nas
acções dos poderosos, a bravura dos condenados e a simplicidade da vida. Apesar
de todos os factos implacáveis, senti em cada página o embalo de uma melodia
doce transmitindo beleza desmedida aos acontecimentos.
Sonho com o mundo em que
a lei do mais forte é a da liberdade.
Torto arado devolve esperança.
Obrigada, Itamar.
(Infelizmente, há presente em
muitas denúncias. Que quem tem voz nunca se iniba de a usar.)
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OBRIGADA POR ME LERES.